quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Caminhando na chuva






 Novamente choram as nuvens lá fora. Observo pela janela do meu quarto. Não choram tempestade; derramam um gelado e fino chuvisco, mas que transborda melancolia. Não esperava vir um dia tão frio em meio a dias quentes de verão.
Novamente chora a alma aqui dentro. De volta ao canto solitário do desânimo. Não lágrimas tempestuosas; é um frio e silencioso choro, mas que transborda palavras. Ela não esperava a volta de geladas nuvens ao estar sendo aquecida por um quente sol de verão.

O que as nuvens dizem?
Elas dizem que o sol aquecera demais a terra, que agora necessita refrescar. Elas vieram refrescar a terra para que esta não pereça nem fique sequiosa por tanto calor. Ela precisa ser regada. Ao receber as finas gotas a terra põe fim ao que seja excesso e se renova. Logo, estará pronta para novamente ser tocada pelo sol. Mas agora sua necessidade é o descanso, as sombras e as suaves águas das nuvens, já que aquele sol fora intenso demais.

O que a alma diz?
Ela diz que aquele sol a aquecera tanto, que ela chegou a pensar que ele ficaria até o fim da estação. Mas não foi assim. Aquele intenso sol de verão se fora levando consigo tudo o que prometera. Mas por mais que a alma não as queira, ela necessita de nuvens em meio ao verão; necessita de lágrimas que a refresquem, que ponham fim ao que for excesso e a renove para um novo sol.
A vida é assim. Dias chuvosos e gelados fazem parte, mas é difícil passar por eles sorrindo. Dias de lágrimas. Dias que doem.

O que fazer agora? Como superar essa chuva?
Já sei. Lembro que quando criança, eu desejava brincar, tomar um banho de chuva; só que existia uma barreira que me impedia chamada mãe. Vou voltar à velha infância: vou...
...caminhar na chuva!
 Carpe Diem! Vou colher o que o dia me oferece. Mas o que será que posso colher na chuva?

Caminhar na chuva. Não importa se a estrada é a mesma, você sempre verá algo novo. Não tenha medo –mesmo  que sua mãe diga que você está maluca. Não tema ser acometido por uma gripe – depois você toma um remédio. Não se importe de sujar o seu tênis – depois a água limpa. Só não perca essa chance de vida!
Foi o que fiz. Deixei pra trás os receios, calcei o tênis e parti. E daí?
Sentir na pele o toque daquela chuva fria, indescritível sensação! A água que regava a terra adentrava meu corpo refrigerando a alma. Vi tanta coisa.
Ver a chuva cair. Os pássaros não deixaram de voar nem cantar. Vi uma terra colorida ainda que encoberta por cinzentas nuvens. Vi que há muita, muita vida em meio à chuva, basta sabermos enxergar. Imagina todo o leito de um rio coberto por um tapete de resplandecentes brancos lírios; lírios são flores de vale. Olho para o céu – apenas  nuvens? Não! vi um solitário helicóptero passeando dentre elas (piloto corajoso!).  Toquei as folhas molhadas. Elas ficam retraídas, mas sorriem para mim. Não há sorriso tão verdadeiro. Vi flores de múltiplas cores. Tive de colhê-las.
Bom mesmo é voltar a ser criança e fazer imagina o quê? Pisar nas poças que se formam na estrada. Incrível. Por mim passaram alguns carros. Imagino o que aquelas pessoas pensaram ao var alguém caminhando na chuva e colhendo flores. Pensaram  que eu deveria ser maluca, ou talvez sentiram inveja e pensaram: “Como eu gostaria de deixar esse carro e também caminhar na chuva.”
Liberdade é isso mesmo: cometer algumas loucuras. Mas louco mesmo é quem não vive, quem não se dá oportunidades, que fica preso dentro da sua casa, preso dentro do seu carro, preso dentro dos seus medos de se molhar, de se sujar, de adoecer, de viver. Nós adoecemos se não vivermos, se não fizermos. Quanta coisa linda eu teria privado meus olhos de  verem e minha alma de sentir se tivesse ficado no conforto do meu quarto.
Ah alma minha! Caminhe nesta chuva. Se molhe, se suje, adoeça para sarar esta dor. Permita que as águas te renovem; colha as flores que ela alimenta e enfeite-se delas; não se prenda a este canto solitário, se envolva, aproveite para saltar em meio às poças formadas por suas lágrimas, pois logo, elas secarão. Desprenda-se do que já não está mais presente e abra seus olhos para o  novo. Colha o que a chuva te oferece.
Valeu a pena caminhar na chuva. As  flores que durante a caminhada colhi agora colorem e alegram o meu quarto do conforto.
É caminhando na chuva que a alma encontrará flores para colher e trazer um pouco de alegria ao canto solitário do desânimo.
Carpe Diem!    

                                                                  Haliny

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

A um indisciplinador de almas


“A minha vida indisciplinadora de almas.”
                                  (Fernando Pessoa)

Ao ler esta frase, logo me veio à cabeça você. A pessoa que indisciplina minha alma.
Encontrei em Cortella um pensamento que cabe aqui. Ele diz que “ existe uma indisciplina saudável, aquela que nos tira das trilhas de um conforto perigoso, que nos faz pensar de outro modo, que nos leva a sonhar.” E eu completo dizendo: sonhar e realizar. Realizar aquilo que nos torna o que realmente somos; o que somos na alma.
Bem! Muitas vezes em nossa vida somos levados a absorver certa disciplina. Disciplina esta que nos é imposta, que dita regras, nos acorrenta, que diz o que é certo e o que é errado, o que devemos fazer, o caminho que devemos seguir, como devemos proceder. Quer que sejamos certinhos, impecáveis como ela deseja. Mas essa disciplina nos infelicita já que pode nos colocar numa rota indesejável. Uma rota de angústias, solidão.
A disciplina nos faz viver o que seria regular, ideal, normal, ainda que não necessariamente nos agrade. Mas quando ela se torna uma sofrida obrigação, nos levando a fazer o que não desejamos, nos vemos mergulhados num mar de dor. O que se torna ainda pior ao afirmar que aquilo que é o desejo da nossa alma é errado, pecado; e o lugar onde ela almeja ir é inapropriado. Caos!
No mar da dor começamos a nos afogar, precisando urgentemente de um salva-vidas, antes que pereçamos.
É aí que você surge. Você é o salva-vidas da minha alma, estendendo-lhe a mão, colocando-a em seu barco, ajudando-a a enxergar uma nova rota, a rota do desejo e não mais a rota  da pesada disciplina.
Você faz a alma a começar assumir suas próprias vontades, a ser sujeito e não objeto; a viver uma ‘indisciplina saudável’, tirando-a “das trilhas de um conforto perigoso”, a brindar a vida com o vinho da liberdade.
Você indisciplina minha alma para que ela possa realmente viver.
Você é uma “insuportável” vida indisciplinadora de almas. E minha alma aprende que é a indisciplina que a dá vida.
Quem sabe um dia eu também venha poder indisciplinar algumas almas...
                                                         

                                                         Haliny

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Flor de vale


Flor de vale

Pela manhã, a caminho do trabalho, um amigo me perguntou:
-Haliny viu aquela flor ali no pasto? Tão bonita. Interessante é que ela se destaca em meio ao verde.
-Ah amigo! Que sublime reflexão! Você acaba de me presentear levando minha alma por uma brilhante metáfora vagar.

Flor de vale.

Solitária, ela nasce em brutas e desprezadas terras; por vezes em brejos fétidos, grosseiras rochas, alto mato. Suporta a chuva, o frio do inverno, o quente sol do verão. Flor que não se rende fácil às muitas dificuldades.
Ela é forte e as dificuldades parecem torná-la ainda mais interessante. Pois ali, sozinha, cercada por uma sóbria paisagem é que sua beleza resplandece. Ela é o tudo em meio ao nada. Não nasceu para se mostrar a alguém; ela é bela porque se completa. Ela sabe extrair daquele lugar, o que necessita para crescer. E tudo isso ela faz sem esperar que alguém a olhe e diga  quão bela ela é. Ela é assim porque ser ela, sem interesses, é sua essência. Ela transmite alegria, embeleza a terra, faz vibrar a vida, exala um suave perfume.

Flor de vale.

É tão interessante, chega a ser divina. É esse cenário rude que a destaca e ela, por outro lado, torna belo o que é feio, ou seja, quem olharia para aquele lugar se ali não houvesse uma linda flor? Sua beleza não seria tão notável se vivesse num grande jardim cercada por outras flores, já que estas....
Ah! Outras flores sufocariam e disputariam sua beleza! É ali, em meio ao nada que ela chama atenção, sem nada querer, sem nada esperar, até que alguém a veja, e sobre ela, talvez, escreva. É, foi em meio ao nada, em meio a dolorosas vivências, que ela fez história, foi notada, virou poesia, tornou-se eternizada.

Flor de vale.

Como fazer beleza em meio ao nada?
Quando eu  crescer quero ser como ela. Mesmo solitária é forte, linda por acreditar em si mesma, sem esperar que alguém a reconheça. Quero aprender a ter essa essência; apenas viver, mesmo que ao meu redor haja um sombrio cenário. Quero fazer beleza mesmo estando em solidão; exalar um perfume suave mesmo que em volta seja podridão.
Flor de vale é coisa rara. Ser bela em meio ao nada, sem em troca nada esperar, são poucos que conseguem tal proeza. É para quem é forte, que não se deixa vencer pelas dificuldades, não se rende facilmente, não se entrega às grossas regras, que vive para si, e não para por outros ser aprovada.

Quero ser uma flor de vale. Não para que isso aconteça, mas quem sabe um dia, eu também seja casualmente notada e me torne motivo de poesia de uma bela alma?
Acho que flor de vale também pode sonhar...

Haliny

Dedico estes versos ao estimado companheiro das diárias e longas jornadas para o trabalho, um ser humano de altíssima qualidade e presteza ao próximo, Marcelo – o amigo que me mostrou a flor.     
Que deu origem ao "Flor de vale"


quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Perdão



Hoje seu perfil é um espaço em branco. Terminou da pior maneira possível nossa não existente estranha relação. Me entreguei, mergulhei, me afoguei, chorei tentando viver o que eu queria e não vi que te feria. Tentei fazer de você a realidade para o meu sonho. Em vão.
Como eu ainda penso em você? Como ainda choro por você? Como ainda escrevo pra você? Como ainda aplaudo você, admiro sua apresentação? Você não faz show; sua existência já brilha por si só. Você nunca esteve totalmente presente, mas sua ausência ainda me perturba. Sinto tanta falta! Nunca vou deixar de acreditar que você é lindo. Você foi um presente de Deus. Presentes de Deus são divinos, especiais, feitos por Ele na exata medida da qual necessitamos. Mas muitas vezes, nós, pecadores, seres humanos falhos, maus, não sabemos como usufruir do presente da maneira como Ele objetiva que o utilizamos. Desejamos que sejam mais do que aquilo que ele deve ser. Somos egoístas, transferimos para ele nossas próprias idealizações e frustrantes expectativas. A medida em que Deus nos dá é a perfeita para completar nossa necessidade. Mas nós não entendemos. Usando o presente de forma equivocada, acabamos quebrando-o.
Foi o que fiz. Sua amizade Deus me deu, mas quebrei meu presente, como uma criança birrenta insatisfeita. Quebrei você. Agora, sabendo que não há conserto, sabendo que nunca mais poderemos ter falas camaradas, eu, arrependida de tudo, só posso chorar ante as lembranças ainda acesas em minha alma. Eu não soube aproveitar meu presente. Eu não soube entender que o propósito era uma serena amizade. Nunca mais poderei ouvir sua música, nem ler os seus versos. Nunca mais poderei ouvir sua tranquila fala quando por hora compartilhávamos histórias em gostosas ligações.
Há dezessete dias eu quebrei meu presente, ferindo você, traí sua confiança por completo. Mas desde aquela noite na qual o conheci, não soube tê-lo. Deus por ser misericordioso com seus errados filhos, pode até me enviar outros presentes, mas nenhum que seja para ocupar o espaço que ficou no lugar que era para você – agora, um  espaço em branco. Desse modo eu sei que isso, é para sempre que eu ao  olhar para esse espaço vazio, sentir a dor do arrependimento por não ter tido cuidado do presente que Ele me dera; aquele que completaria minha alma. Essa dor me acompanhará para sempre, para que eu jamais esqueça o que posso vir a perder se novamente eu der voz ao meu egoísmo.
Narcisismo! Eu entendo que amei você, mas o que fiz foi só querer satisfazer meus próprios anseios. Afinal, o amor não veio para nos tornar livres? Jesus, O Amor, veio para livrar nossas almas das prisões. Como eu pude querer, te amando, amarrá-lo a mim de qualquer forma? Eu errei ao colocar meu amor próprio acima do amor que nasceu por você; o amor que Cristo me ensinou, eu não soube usar. Amar é dar liberdade. É dando liberdade a quem amamos que se tornam mais próximos.
O adeus, eu já dei a nós e não há volta. Voltei, não para reconstruir nada, pois se colarmos um vaso que se quebra, ficam horríveis marcas, perde-se a beleza genuína. Voltei para reconhecer meus erros com você, reconheço minha pobreza enquanto SER humano. Eu não tenho direito, mas saiba que ao quebrar você, foi também quebrar a mim. Por isso, estou em pedaços que não podem ser reconstruídos. Eu não estou dizendo isso para ter sua compaixão nem mendigar sua atenção outra vez. Não! Só estou dizendo isso porque é meu dever reconhecer que Eu errei – desde o início, e pedir perdão, mesmo sabendo que não tenho direito a tê-lo. Perdoa-me!

Haliny

Sol de verão



Você me enlouquece, me desconcerta.
Já leu meus versos senhor?
Se leu, já sabe.
Se não leu, vou te dizer agora o que dizem:

Minha alma estava imersa num inverno agressivo.
Um dia um raio de sol entrou pela janela tocando sua pele gelada.
Ela foi levemente aquecida.
Já sentiu isso? Aquele calorzinho sereno de sol de inverno? Bom né?
Mas o frio foi mais forte.
Aquele sol não permaneceu me aquecendo.
Foi...

...calor de inverno.

Veio a primavera.
Ah! As flores.
O inverno tinha queimado as flores do jardim da minha alma.
Mas ficaram as raízes. Agora acho que elas estão florescendo novamente.
Primavera antecede verão,
Quente estação.
Sol constante, quente, envolvente.
Aquece minha alma, a faz suar de êxtase.
Sol de verão...

Você é o meu sol de verão.
Chegou aquecendo minha alma.

Então vem, vem me aquecer!
Que seus braços sejam os raios a me envolver
Faça-me queimar com seu calor.
Quero suas mãos junto às minhas,
Abraça-me, se entrelaça em mim.
Vem alimentar as flores do meu jardim.
Seja energia para minha fotossíntese, me faça viver.

Meu sol de verão...

Pena que assim como a estação,
Um dia chegará o momento da separação...

Haliny

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

E, porque acreditava...


“Ela acreditava em anjos e, porque acreditava, eles existiam.”
Clarice Lispector

Delicioso mergulhar no profundo dizer incutido em tão singela frase.
Tudo adquire realidade à medida da crença que damos ao que nos é dito. Vamos pensar?

Disseram-me que Deus é real. Eu acredito; sim, Ele existe. Porque acredito Ele é real pra mim. Eu sinto sua suave presença me proporcionando uma indescritível força. Se você não acredita em Deus, Ele não pode existir pra você!
É assim. Podemos tornar reais coisas boas como Deus, como também coisas más que nos fazem acreditar: aquelas coisas que muitos dos que estão a nossa volta dizem sobre nós, que não necessariamente nos representam. Falas que, se abrirmos a porta, entram e se alojam tornando-se hospedeiros indesejáveis.
Por um longo tempo vivi assim, acreditando nas mentiras ditas sobre mim e, porque acreditava, em verdades elas se tornavam.
Via-me refletida nos espelhos construídos em olhares cruéis. Uma imagem distorcida de mim, que mostrava um ser que não era; pintado com grosseiras tintas em pincéis de aço. Quanto mais nesses espelhos eu me olhava, mais feia acreditava ser e, porque acreditava, feia me tornava.
Ouvia discursos feitos sobre mim por insensíveis bocas. Falas duras, ditadoras, manipuladoras. Me ditavam a timidez, a pequenez, a infantilidade, a incapacidade. Dizeres repressores que diziam que eu era assim e, porque acreditava, assim eu era. 
Aquelas crenças que determinavam em quem eu me tornava. Mas aos poucos elas começaram a não fazer mais sentido. E eu, eu comecei a questioná-las, pois ao estar longe daquelas deturpadas falas, eu não agia como elas diziam. Ao estar delas afastada, eu encontrava a mim mesma. E nesses encontros havia alegria, força, ousadia. Mas ao voltar...
Quando voltava, novamente me vestia das velhas crenças. Foi então que comecei a indagar: “Sou o que sou ou sou o que não sou?” e comecei a ver que aquela não era eu; um ser moldado em arcaicos moldes. Então decidi desacreditar. Mesmo escorrendo sangue, precisava arrancar aquelas tintas com que me pintaram; fechar a porta para quem eu não queria dentro da minha casa, ignorar aquelas vozes.
Desacreditei e, porque desacreditei, as velhas crenças começaram a deixar de existir. Ao tirar aquelas tintas me vi de verdade. Vi-me bonita, alegre, colorida; harmônica arte; ser precisando ser remoldado em contemporâneos moldes. Olhei-me pelo espelho dos meus olhos; gostei de me ver refletida ali. Comecei a ouvir a voz da alma. Esta voz  que me diz que sou capaz, que me impulsiona a ter ousadia, que me mostra que sou viva, sou grande, sou mulher que deseja viver o que é!
Desacreditei para acreditar. Acreditar em mim e, porque acredito, eu existo.

Haliny


quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Alma em fúria!




Por favor, não se aproxime de mim. Estou como um frágil balão a segundos de uma explosão de tanto que lhe enchem. Mais um sopro, não sei o que pode acontecer.
Por favor, não fale comigo. Respeite minha introspecção. Não quero vozes que me invadam sem minha permissão. Desejo o silêncio como único amigo.
Por favor, não me peça palavras. Dores agudas travam minha fala.
Por favor, não me peça sorrisos. Estou em luto, imersa num sombrio mundo.
Por favor, não me peça abraços. Fardos pesados cansaram meus braços.
Por favor, não me peça calma. Seja paciente com minha impaciente alma.

Quero a solidão como única companhia. Ouvir somente a voz do silêncio. Quero esvaziar de mim através de aturdidas lágrimas. Isso é raiva mesmo, e daí?
Por favor, desculpe-me. A raiva não é de você, ela é de mim. Entenda: quando não estou em mim não consigo estar com você. Só preciso de paz, ficar comigo mesma por um tempo; fugir para um lugar onde só esteja eu e eu. Preciso desoxigenar a alma, tirar essa angústia que a consome. Refrigerar!
Meu Deus tira de mim essa raiva de mim. Sinto-me tão fraca e incapaz, por uma presente ausência.
Um complexo quebra-cabeça. Alto grau de dificuldade. Ainda há peças faltando em mim. Falta a do coração, principal peça. Quando acredito que achei a peça para encaixar naquele espaço e descubro que ainda não é, enlouqueço, enfureço!
Minha vontade é desmontar as peças já montadas, guarda-las na caixa e nunca mais abri-la.
Num quebra-cabeça ficamos ansiosos, enfurecidos ao não conseguirmos montá-lo querendo desmontar e desistir para sempre. Porém se dermos um tempo, uma relaxada, uma respirada, a fúria desvanece e, mais calmos, podemos voltar e continuar. A calma nos permite pensar melhor, visualizar de forma mais ampla, obter clareza.
A raiva é como a viseira de cavalos; faz-nos ver somente o que está a nossa frente, as impossibilidades, os obstáculos, nossa incapacidade. Essa raiva me diz para desistir desse quebra-cabeça; ela me diz que eu não tenho capacidade para achar aquela peça; não sou boa no quebra-cabeça da vida, sou pequena para um nível tão alto.
Sei que se eu conseguir encaixar a peça que mais preciso, as demais aparecerão naturalmente. Ao mesmo tempo a falta dessa peça me faz procurar só por ela e deixo de lado outras importantes peças.
Interessante conclusão. Se eu conseguir encaixar as peças que parecem mais fáceis, deixando de focar somente em uma, posso conseguir achar aquela que tanto procuro. Embaralhadas peças que indo para seus lugares, deixam outras mais fáceis de acessar. Então é necessário mudar o foco, encaixar as peças que estão encobrindo aquela que mais preciso. Quando menos eu esperar ela poderá se revelar.
A peça do coração, que dá completude à alma. Só espero que eu não a tenha chutado para longe naquele ataque de fúria tendo-a feito parar num inacessível lugar!

Haliny

"A vida é um quebra-cabeça com milhares, milhões de peças. Mas acontece que o quebra-cabeças da vida não vem acompanhado de um modelo. (...)
O modelo precisa ser inventado . E é somente o coração, ajudado pela inteligência, que pode fazer isso. "

(Rubem Alves)

Ânimo, onde está você?




"É incrível o que apenas um raio de sol pode fazer pela sua alma."
                      Dostoiévski

Início de manhã. Ausência de sol.
Densas nuvens, constante chuva.
Não consigo ver o infinito azul do céu, aquele que me faz sorrir.
Precisei fechar as janelas, ficar recolhida, mergulhada em devaneios que afugentam minha alma. Essa ausência de sol me deprime. Não vejo flores, não ouço o contagiante canto dos pássaros, não vejo borboletas no meu jardim.
Ah nuvens! Quando vocês chegam, meu ânimo se vai. Não sei pra onde! Acho que ele vai ficar com o sol. Se vocês o encobrem, o ânimo não tem como aparecer pra mim, penetrar em mim.
Eu já estava totalmente sem esperança de hoje ver o sol; acreditava que a chuva entregaria o dia para a noite. Mas quando a tarde chega, inacreditável surpresa!
As nuvens se espalharam fazendo pequenas aberturas por onde suaves raios do sol mostraram sua sublimidade. Sol de fim de tarde: torna tudo especial. As árvores dançam de mãos dadas com a brisa; nas pastagens reflexos de um fluorescente verde; os pássaros cantam e saltam no ar; as flores exibem suas cores. Acho que vem uma nova borboleta visitar esse jardim.
Ah! Ele também veio: o ânimo.
Ânimo: alma.
Desânimo: sem alma.
Quando as nuvens chegam, o ânimo se vai; se vai a alma. Fica o desânimo. Fico sem alma. Não sei pra onde ela vai. Acho que fica lá, acompanhando o sol além das nuvens...

Haliny

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Lista dos arquivados


No decorrer da vida encontramos diversas pessoas. Com algumas simplesmente olhares a se cruzarem, talvez um sorriso, quem sabe um bom dia. Nunca mais. Rostos com seus mistérios.
Com algumas pessoas nos identificamos, paramos para conversar, tomar um café. Pode ser que fiquem pra sempre em nossa vida ou, talvez, apenas troca de contatos inutilizados...
Já outras pessoas param e por algum tempo ficam. Conversas, partilha de bons momentos, mas chega um dia em que se vão. Ficamos entristecidos. Dolorosa saudade ao perder uma boa amizade. Mas com o tempo vamos nos conformando e arquivando na memória as boas lembranças. Vão para a lista dos arquivados que, de vez em quando abrimos para relembrarmos os felizes ou até tristes momentos.
Lista que pode ter amigos ou amores mal resolvidos...

Ah vida! Contemporânea vida que não se satisfaz; quer ir sempre mais, se reinventa em mídias sociais. Cria perfis, por vezes não reais – vida hipócrita. Entrelaça-se em redes. Liga-se a outras virtuais vidas.
O mundo virtual: real – irreal – surreal local onde também encontramos pessoas e com muitas nos conectamos. Algumas apenas visualizamos, algumas curtimos, outras acenamos. Mas há aquelas que nos interessamos, ou que por nós mostram-se interessadas.
Mensagens trocadas, pausa para um café. Pode ser que seja apenas um “Oi. Tudo bem?”, ou uma conversa que vá além. Gênese de amizades, até mesmo romances.
Romances...
Virtuais romances. Para onde vão se  não se tornarem reais?
Algumas vidas solicitaram a minha. Interessantes, aceitas. Reais que se tornaram virtuais; virtuais que não se tornaram reais. Cada uma, uma história. Promessas que não se tornaram realidade.
Visualizações, curtidas, mensagens trocadas.
Expectativas, encanto, esperanças frustradas.
Inconclusas falas.
Veio uma vida. Acenou para a minha. Surgiu de surpresa. Envolveu-me em promessas. Felicidade. De repente surgiu, de repente se foi... Para a lista dos arquivados. Veio outra. Linda, suave. Agradáveis mensagens. Novas promessas, nova despedida: lista (mesmo que jamais seja esquecida)!
Vi-me tão envolvida com aquela vida que para superar sua ida, solicitei outras. Novas vidas, outras conversas – que não me surpreenderam nem me tocaram, então, lista dos arquivados.
Agora achei uma nova. Despertou minha atenção. Solicitei, ela aceitou; acenei, ela respondeu. E assim mensagens vamos trocando. Esta ainda está. Será que continuará ou será apenas mais uma a ir para a lista...
...dos arquivados?

Haliny

Encontro de almas

“-É que às vezes eu me perco.
-Eu também.”

Minha alma encontrou  a sua, mas a sua se esquivou da minha.
Sua alma tocou a minha, mas evitou que a minha tocasse a sua.
Encontraram-se em perdidas direções.
Esbarraram-se numa esquina da vida por aí...
A beleza da sua alma encantou a minha e nesse mar de encantamento mergulhou... e quase se afogou.
Eu me perdi quando encontrei você. Saí da minha rota de segurança. Fiquei cega. Cometi loucuras. Loucuras por você. Saí de mim. Perdi o foco. Entreguei-me às ilusões que eu mesma inventei.
Viciada, te queria a todo instante. Ver seu sorriso, ouvir sua voz, o toque da sua música, procurá-lo, correr atrás. E nessa ânsia por tê-lo, só consegui afastá-lo.
Meu erro foi querê-lo demais e, por isso, não medi as consequências dos meus atos.
Você se foi; talvez pra sempre. Mas a minha alma marcou profundamente.
Você despertou a voz da minha alma que se desnudou em versos para se mostrar à sua. E ela era tão tímida! Mas quis se revelar para que você a notasse. Só que você já não estava mais ali para vê-la nem ouvir a sua voz.
E agora?
Como diria Drummond não é? Uma coisa “totalmente dele”:

“E agora José?
a festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?”

E agora, só restam as lembranças – doces lembranças.
A alma sorriu quando esbarrou na sua na esquina daquela rua...
...mas aceitou que a sua se fosse como uma manhã finda a lua. 

                                                               Haliny

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

O rio da vida

A vida é como um rio.
Rios nascem de pequenas fontes.
Fontes vêm de águas submersas, desconhecidas. Águas do interior que mansamente rompem a íngreme terra ansiosas para explorarem o misterioso mundo externo. Elas não sabem o que vão encontrar; mas sabem que o fim é alcançar o grande mar.
Para atingirem este mar necessitam percorrer um longo percurso, por lugares desconhecidos, por vezes bastante sofridos, outros, no entanto , lindos. Percorrem montanhas, atravessam vales, rompem pedras, cruzam sombrias matas.
Parece não ser um caminho agradável, mas é assim que um pequeno rio se torna grande . São estes caminhos , por vezes tortuosos que lhe proporcionam crescimento, pois outras águas vai absorvendo , até que seu tamanho se torne suficiente para seguir seguro rumo ao oceano ...lugar de descanso .
Mas apesar dessas circunstâncias , as águas de um rio podem ser abençoadoras . Fecundam plantações, saciam o sedento, fertilizam a terra, alimentam o faminto, transportam indivíduos, dão vida a outras vidas. Venerável função !

Assim é a  vida. Vem de uma pequena fonte. Pequena nasce, sem saber o que vai encontrar em seu trajeto, tendo a única certeza que o fim será a morte. Por isso em seu percurso almeja se tornar sempre mais forte. 
Em seu caminho se depara com muitas surpresas, às vezes formidáveis, mas muitas vezes amarguráveis. Há momentos em que está no alto da montanha a contemplar belos horizontes. Noutros pode estar em solitários vales , precisando romper rochas, atravessar sombrias matas. 
Mas é no decorrer destes momentos, encontrando outras vidas , é que ela obtém crescimento , adquire amadurecimento . E, apesar de invariáveis circunstâncias , uma vida pode ser abençoadora. Fecunda corações, modifica o que está seco , fertiliza mentes , sacia almas sedentas , direciona perdidos, dá vida a outras vidas. Imprescindível função! 
Assim é o rio da vida.

                         Haliny 

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Tempestade

Elas já anunciavam.
Tantos dias de nuvens culminaram numa intensa tempestade.
Chuvas torrenciais inundam meu jardim. Se eu não drená-la tanta água destruirá suas flores.
A enchente penetrou o corpo endógeno querendo afogar a alma. Para que ela não se afogasse precisei drená-la.
Olhos a escoar tresloucadas lágrimas.
Esta alma, antes sufocada, agora já se sente mais aliviada, refrigerada.
Lágrimas são curativas, acalentam a alma, desvanecem sua dor, desbaratam sua angústia.
Que minha alma não as reprima; que permita que elas drenem as águas dessa sufocante tempestade para que possa sentir a brisa da felicidade.

                                          Haliny  

terça-feira, 18 de setembro de 2018

Ouvindo a voz do silêncio


Para dar voz à alma, me expresso em versos.
Mas e quando a alma cala?
É preciso descobrir o que pelo silêncio ela fala.
Silenciei para ouvir o seu silêncio. Este silêncio que não é sinônimo de tranquilidade grita furiosamente.
  Ela não abriu a boca, não disse palavras; mas pela janela dos olhos a me mostrar algo estava:
“Por que é que se repete? Por ser bonito. A gente quer a repetição do beijo, do doce, do poema, do pôr do sol... A alma não quer ir pra frente”

A alma não quer ir pra frente

Rubem Alves a traduz bem: ela não quer ir pra frente!
Quer ficar ali, mesmo sabendo que é hora de partir.
Angustiada, não quer abrir mão do que tanto procurava; quer repetir a nostálgica vivência.
Se sente vazia, mas cheia de ausências.
Falta daquele sol que iluminara sua casa.
Saudade do lugar antes percorrido.
Esperanças que se esvaíram no ardor do desejo.
Chamas que se apagaram no calor do inverno.

Haliny

Não há jardim sem nuvens

Hoje elas voltaram: as nuvens.
Meu desejo foi como uma linda borboleta que pousou no meu jardim. As borboletas são assim. Lindas, mas nascem para serem livres. Quando visitam nosso jardim temos que aproveitar o momento, contemplar sua beleza antes que se vão.
Como uma colorida borboleta ele pousou em minha mão. Eu sabia que a qualquer momento ele iria voar. Eu poderia fechar a mão, prendendo-o, mas assim eu o sufocaria. Aproveitei o momento enquanto ele estava ali. Contemplei sua beleza. Sei que fui agraciada com sua presença, pois o pousar de uma borboleta em nossa mão é coisa rara, cara. Ele foi assim, me proporcionou um lindo e raro momento e eu me envolvi ao máximo com sua presença. Foi mágico. Ele escolheu meu jardim!
É engraçado. Eu achava que meu jardim era simples demais para atrair borboletas. Resolvi plantar flores novas, flores simples, mas diferentes das que eu já tinha, com mais cores. Mas muitas vezes as coisas simples são mais tocantes que as exorbitantes. Enfim, eu sei que foram estas flores que o atraíram. Como uma linda borboleta.
Mas voltando às nuvens. Sim elas voltaram. Só que eu aprendi uma coisa: nuvens trazem a chuva. Chuva traz o renovo. Jardins precisam de chuva. Jardins precisam de nuvens, já que a constante presença do sol pode queimar suas flores. Sombras também são importantes, proporcionam descanso, equilíbrio.
Vou deixar que as nuvens reguem o meu jardim para alimentar minhas flores. Elas podem ficar ainda mais vistosas podendo até atrair outras borboletas.
Isso é a vida. Devemos aprender a extrair o que necessitamos até daquilo que achamos que não deveria estar ali, o que achamos que nos atrapalha. Mas muitas vezes esquecemos que  aquilo que não queremos na nossa vida pode ser uma importante coluna que sustenta o nosso edifício, ou seja, se a tirarmos, o edifício desmorona e aí...
Sem chuva não há flores. Sem as nuvens meu jardim não seria regado.
A linda borboleta voou, deixando lindas lembranças, saudades. Mas não sei. A vida às vezes é tão surpreendente. Quem sabe um dia ela não volta a pousar no meu jardim...
Vou adorar vê-la novamente.

                                                                              Haliny 

Aprendendo a voar...


Nossa! Como é bom aprender a voar.
Mesmo que ainda em pequenos espaços, já consigo ver novas paisagens. Paisagens estas, antes inacessíveis para mim.
Em um desses pequenos voos que me permiti ao longe vi uma árvore. Uma das minhas primeiras novas visões. Ela foi tão convidativa, o vento que a balançava, a fazia  acenar para mim.  Logo se tornou meu desejo. Mas achei que eu ainda não estava preparada para alcançá-la, que ela estava muito distante de mim.
Eu quis pousar nela, saltar dentre seus galhos, provar dos seus frutos. Ela parecia uma deliciosa novidade, me oferecendo coisas que eu jamais provei na gaiola.
Voando devagar, decidi que eu queria tentar chegar até ela. Mesmo com meus medos, meus receios e minhas dúvidas, resolvi não deixar que estes me impedissem de lutar pelo meu desejo.
 Continuei voando e, de repente, lá estava eu, pousando em um dos seus galhos. Eu estava com incerteza se realmente eu podia tocar-lhe. Fiquei assustada, pois ela tinha muitas folhas, como se fosse intransponível. Esperei um pouco, respirei. Avistei uma pequena abertura e foi ali que comecei.
Não conseguia acreditar que eu estava começando uma incrível aventura. Deliciosa!
Bem, eu ainda estou no início dessa aventura. Ainda há muitos galhos para eu explorar. Não sei se vou conseguir. Não sei ela será minha morada. Não sei se ela vai permitir que eu continue, pois ela é tão reservada. Mas por enquanto, eu estou curtindo o momento; sem pressa, ainda há tempo. Ainda há outras paisagens que quero ver e quem sabe eu não encontre outras árvores. A vida é uma surpresa. Cada voo me apresenta algo diferente. Quero apenas viver este momento intensamente.


                                               Haliny

Asas da liberdade

Como é prazeroso dar permissão a si mesmo.
Inefável força de conseguir quebrar as grades que me cercam e sentir a brisa da liberdade.
Por toda a vida estive presa. Não me prenderam à força; deixei que me prendessem, me prendessem em suas vontades.
Mas agora descobri que essas grades estão envelhecidas pelo tempo. Este mesmo tempo que me faz crescer e tornar-me mais forte. Já não caibo mais dentro dessa gaiola. Ela tornou-se pequena para o tamanho que venho adquirindo. Minhas asas rogam por voar. E eu preciso deixar que elas voem mesmo que ainda não saibam já que o tempo de prisão não permitiu que elas aprendessem no tempo necessário. Minhas asas estão atrasadas, travadas. Mas aos poucos eu consigo movimentá-las. Eu as exercito, as alongo. Dou rasos voos em pequenos espaços. Acho que logo elas estarão prontas para partir e explorar o imenso céu.
Mesmo que eu tenha quedas, sei que estas me tornarão mais experiente me dando maior preparo para voos mais duradouros, me tornando ainda mais forte.
Dar liberdade a si mesmo é indescritível, é um mundo que não cabe em mim. Preciso sair, preciso voar, preciso cair.
Que eu caia por querer aprender a voar, do que morra por me deixar continuar presa.


                                                  Haliny  

E o sol volta a brilhar

"O brilho do sol, no lado de dentro da gente, se chama sonho. "
                            Rubem Alves 

Hoje o sol voltou a brilhar para mim.
No céu um azul suave...
As obscuras nuvens se foram e um suave calor acalenta meu corpo que ontem sentia frio.
Ao olhar para o sol, sorrio.
Delicioso sentir o toque dos seus raios. Ele me revigora, me torna disposta, me contagia, me apavora, me ilumina, me faz levantar da cama, ir para fora! É incrível como ele me transforma.
Ah!
Hoje o sol voltou a brilhar...
...a brilhar dentro de mim.
As obscuras nuvens se foram e os raios que tocam meu corpo, atravessam minha pele, transpassam o coração aquecendo a minha fria alma.
Ao sentir o toque do sol, ela sorri.
Delicioso abraço. Suaves beijos em sua face. Ah ela não quer ver as nuvens novamente.
Esse sol a faz levantar, a torna quente, serena, maravilhada, aturdida, excitada! Nossa! Um turbilhão de emoções. É incrível como ele a transforma. Seu maior desejo? Que tão cedo seu sol não vá embora. Que permaneça e, por um longo tempo, a aqueça.
Que a envolva em seus raios...
Que me envolva em seus braços...


                                          Haliny

E as nuvens partem...

Amanheceu.

Tenho a promessa de um  novo dia. Um dia em que o sol pode voltar a brilhar.
Mas não sei.
Nuvens ainda perduram no céu. Às vezes elas ameaçam se afastarem ao permitirem que pequenos reflexos do sol as atravessem e me toquem. Mas, logo elas retornam.
A manhã foi assim: ameaças de luz, esperança de calor. Incertezas...

Entardeceu.

As nuvens decidiram: foram embora. E o sol? Ah ele estava lá. Lindo, quente, me alegrando profundamente. É! Minha esperança se concretizou quando meu dia ensolarado finalmente chegou.
Felicidade serena.

Amanheceu.

Tenho um encontro marcado com o desejo. Esperança de que minha alma novamente poderá sentir o calor do sol, voltar a ouvir a música desejada.
Mas... Não sei.
Nuvens ainda perduram...
...vão e voltam.
A manhã foi assim. Receios. Incertezas. Esperança aflita.
Ser ou não ser?
Pegar ou largar?
Viver ou morrer?
Lutar ou abrir mão?
Eis a questão!

Entardeceu.

As nuvens decidiram: foram embora. O toque estável do sol me faz escolher.
Vou ser.
Vou pegar.
Vou viver.
Vou lutar.
Se eu serei, não sei. Se eu conseguirei segurar, não sei. Se eu viverei eternamente, não sei. Se eu vencerei, eu também não sei.
“Só sei que nada sei.”
Mas sei que quero tentar, mesmo que eu não conquiste. Se eu conquistar, desmedido e insano será o prazer. Se não, ao menos não sentirei o peso, nem ouvirei a voz do arrependimento me dizendo:
-Você deveria ter tentado. Por que não teve coragem? Talvez tivesse conseguido. Quem sabe? Você perdeu. Perdeu o quê, se nem ganhou? Se nem lutou? Não mereceu. Ficou parada esperando que a vida lhe trouxesse. Mas você que deveria tê-la feito acontecer.
Eu não quero sentir esse peso. Não quero ouvir essa voz. Pois é melhor sentir a dor da perda de uma luta do que a dor por não ter tentado, a dor do arrependimento. Quero poder dizer, ganhando ou perdendo, que tive coragem para correr atrás, para lutar por ele...
...meu desejo.
Bem. A tarde está findando. Já que eu tinha voltado às velhas roupas, preciso me trocar. Vestir a roupa da diferença, passar o perfume da serenidade e calçar os sapatos da coragem.
Está chegando a hora de encontrar com meu desejo e eu não quero chegar atrasada para não perdê-lo.
Amanhã retornarei para dizer se o sol permaneceu ou se voltaram as nuvens.


                                                 Haliny