quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Caminhando na chuva






 Novamente choram as nuvens lá fora. Observo pela janela do meu quarto. Não choram tempestade; derramam um gelado e fino chuvisco, mas que transborda melancolia. Não esperava vir um dia tão frio em meio a dias quentes de verão.
Novamente chora a alma aqui dentro. De volta ao canto solitário do desânimo. Não lágrimas tempestuosas; é um frio e silencioso choro, mas que transborda palavras. Ela não esperava a volta de geladas nuvens ao estar sendo aquecida por um quente sol de verão.

O que as nuvens dizem?
Elas dizem que o sol aquecera demais a terra, que agora necessita refrescar. Elas vieram refrescar a terra para que esta não pereça nem fique sequiosa por tanto calor. Ela precisa ser regada. Ao receber as finas gotas a terra põe fim ao que seja excesso e se renova. Logo, estará pronta para novamente ser tocada pelo sol. Mas agora sua necessidade é o descanso, as sombras e as suaves águas das nuvens, já que aquele sol fora intenso demais.

O que a alma diz?
Ela diz que aquele sol a aquecera tanto, que ela chegou a pensar que ele ficaria até o fim da estação. Mas não foi assim. Aquele intenso sol de verão se fora levando consigo tudo o que prometera. Mas por mais que a alma não as queira, ela necessita de nuvens em meio ao verão; necessita de lágrimas que a refresquem, que ponham fim ao que for excesso e a renove para um novo sol.
A vida é assim. Dias chuvosos e gelados fazem parte, mas é difícil passar por eles sorrindo. Dias de lágrimas. Dias que doem.

O que fazer agora? Como superar essa chuva?
Já sei. Lembro que quando criança, eu desejava brincar, tomar um banho de chuva; só que existia uma barreira que me impedia chamada mãe. Vou voltar à velha infância: vou...
...caminhar na chuva!
 Carpe Diem! Vou colher o que o dia me oferece. Mas o que será que posso colher na chuva?

Caminhar na chuva. Não importa se a estrada é a mesma, você sempre verá algo novo. Não tenha medo –mesmo  que sua mãe diga que você está maluca. Não tema ser acometido por uma gripe – depois você toma um remédio. Não se importe de sujar o seu tênis – depois a água limpa. Só não perca essa chance de vida!
Foi o que fiz. Deixei pra trás os receios, calcei o tênis e parti. E daí?
Sentir na pele o toque daquela chuva fria, indescritível sensação! A água que regava a terra adentrava meu corpo refrigerando a alma. Vi tanta coisa.
Ver a chuva cair. Os pássaros não deixaram de voar nem cantar. Vi uma terra colorida ainda que encoberta por cinzentas nuvens. Vi que há muita, muita vida em meio à chuva, basta sabermos enxergar. Imagina todo o leito de um rio coberto por um tapete de resplandecentes brancos lírios; lírios são flores de vale. Olho para o céu – apenas  nuvens? Não! vi um solitário helicóptero passeando dentre elas (piloto corajoso!).  Toquei as folhas molhadas. Elas ficam retraídas, mas sorriem para mim. Não há sorriso tão verdadeiro. Vi flores de múltiplas cores. Tive de colhê-las.
Bom mesmo é voltar a ser criança e fazer imagina o quê? Pisar nas poças que se formam na estrada. Incrível. Por mim passaram alguns carros. Imagino o que aquelas pessoas pensaram ao var alguém caminhando na chuva e colhendo flores. Pensaram  que eu deveria ser maluca, ou talvez sentiram inveja e pensaram: “Como eu gostaria de deixar esse carro e também caminhar na chuva.”
Liberdade é isso mesmo: cometer algumas loucuras. Mas louco mesmo é quem não vive, quem não se dá oportunidades, que fica preso dentro da sua casa, preso dentro do seu carro, preso dentro dos seus medos de se molhar, de se sujar, de adoecer, de viver. Nós adoecemos se não vivermos, se não fizermos. Quanta coisa linda eu teria privado meus olhos de  verem e minha alma de sentir se tivesse ficado no conforto do meu quarto.
Ah alma minha! Caminhe nesta chuva. Se molhe, se suje, adoeça para sarar esta dor. Permita que as águas te renovem; colha as flores que ela alimenta e enfeite-se delas; não se prenda a este canto solitário, se envolva, aproveite para saltar em meio às poças formadas por suas lágrimas, pois logo, elas secarão. Desprenda-se do que já não está mais presente e abra seus olhos para o  novo. Colha o que a chuva te oferece.
Valeu a pena caminhar na chuva. As  flores que durante a caminhada colhi agora colorem e alegram o meu quarto do conforto.
É caminhando na chuva que a alma encontrará flores para colher e trazer um pouco de alegria ao canto solitário do desânimo.
Carpe Diem!    

                                                                  Haliny

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

A um indisciplinador de almas


“A minha vida indisciplinadora de almas.”
                                  (Fernando Pessoa)

Ao ler esta frase, logo me veio à cabeça você. A pessoa que indisciplina minha alma.
Encontrei em Cortella um pensamento que cabe aqui. Ele diz que “ existe uma indisciplina saudável, aquela que nos tira das trilhas de um conforto perigoso, que nos faz pensar de outro modo, que nos leva a sonhar.” E eu completo dizendo: sonhar e realizar. Realizar aquilo que nos torna o que realmente somos; o que somos na alma.
Bem! Muitas vezes em nossa vida somos levados a absorver certa disciplina. Disciplina esta que nos é imposta, que dita regras, nos acorrenta, que diz o que é certo e o que é errado, o que devemos fazer, o caminho que devemos seguir, como devemos proceder. Quer que sejamos certinhos, impecáveis como ela deseja. Mas essa disciplina nos infelicita já que pode nos colocar numa rota indesejável. Uma rota de angústias, solidão.
A disciplina nos faz viver o que seria regular, ideal, normal, ainda que não necessariamente nos agrade. Mas quando ela se torna uma sofrida obrigação, nos levando a fazer o que não desejamos, nos vemos mergulhados num mar de dor. O que se torna ainda pior ao afirmar que aquilo que é o desejo da nossa alma é errado, pecado; e o lugar onde ela almeja ir é inapropriado. Caos!
No mar da dor começamos a nos afogar, precisando urgentemente de um salva-vidas, antes que pereçamos.
É aí que você surge. Você é o salva-vidas da minha alma, estendendo-lhe a mão, colocando-a em seu barco, ajudando-a a enxergar uma nova rota, a rota do desejo e não mais a rota  da pesada disciplina.
Você faz a alma a começar assumir suas próprias vontades, a ser sujeito e não objeto; a viver uma ‘indisciplina saudável’, tirando-a “das trilhas de um conforto perigoso”, a brindar a vida com o vinho da liberdade.
Você indisciplina minha alma para que ela possa realmente viver.
Você é uma “insuportável” vida indisciplinadora de almas. E minha alma aprende que é a indisciplina que a dá vida.
Quem sabe um dia eu também venha poder indisciplinar algumas almas...
                                                         

                                                         Haliny