domingo, 23 de fevereiro de 2020

Café da manhã

Venha meu amor, que te espero para o café. Venha que já pus a mesa, coloquei sua xícara ao lado da minha, fiz seu bolo preferido.
Venha meu amor, que o sol já está a brilhar na janela e os pássaros entoam a sonata matinal.
Venha correndo meu amor, não demore, pois tenho fome, fome da sua presença. Venha que quero sentir seu perfume que amo.
Venha  meu amor me fazer sorrir, ser o motivo da minha poesia, venha tirar dos meus lábios nossa melodia.
Venha meu amor que a saudade grita, dissipe meu medo de te perder. Venha me dar aquele “Bom dia meu anjo” que só você sabe.
Venha meu amor, compartilhar comigo esta manhã de domingo; o jazz já está a tocar, venha me fazer balançar.
Venha meu amor, que você me deixou apaixonadinha no seu jeitinho particular.
Venha meu amor que te espero. Não deixe nosso café esfriar...

                                                                                     Haliny

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Sorrisos não nascem de almas mortas




Nesse começo de 2020 realmente estou desanimada. Não está sendo muito diferente do que fora o começo de 2019, quando eu escrevia “A garota de dez anos atrás”. Interessante, hoje enquanto escrevo o que me vem à cabeça nesse quatorze de janeiro de dois mil e vinte, me pareço mais com a garota de dez anos atrás. Desanimada, sem perspectiva de mudanças, reclamando da atual situação. Sim; no começo do ano anterior, eu me via um pouco frustrada com a vida profissional que eu teria. Mas ainda que não fosse para lecionar, eu tinha um emprego garantido. Hoje, posso me considerar sem emprego, após uma maratona de concursos sem resultados positivos, sonhos frustrados. Olhando assim, parece que 2019 me levou à derrocada e, infelizmente, é assim que me encontro: na vibe do derrotismo.
Mas ao abrir o Facebook para procurar uma foto, senti-me entrando no túnel do meu tempo. Vi algo bastante singular. É interessante que há poucos dias, conversando com um amigo, eu dizia a ele que precisava de uma foto minha triste para associar a um texto na página do Instagram, pois eu só tinha foto sorrindo. Então, olhando minhas fotos publicadas no Facebook, eu disse a mim mesma:
– Caramba! Quantos momentos surpreendentes eu vivi em 2019!!!!
Sim, fotos e sorrisos, muitos sorrisos. Muita coisa boa aconteceu. Vi pessoas partindo, mas outras chegando. Vi um coração dolorido, lutando para ser reconstruído. Vi muita beleza brotando do caos.
Foi um ano abençoado certamente. No trabalho tive alunos mais que especiais, que me ensinaram muito. Acho que um professor só se torna um real professor, quando ele permite que seus alunos o ensinem também; não me refiro ao conteúdo científico, mas à prática da empatia e do acolhimento. Alunos são constantes desafios que podem nos provocar a nos tornarmos uma versão mais forte de nós mesmos. Além disso, em 2019 tive sim a oportunidade de lecionar, algo que eu não esperava, mas 2019 fez acontecer. A experiência fez-me sentir mais realizada, mais forte.
Foi um ano que me proporcionou ter uma irmã, ainda que por um curto período. Sou filha única, mas fiz uma irmã do coração. Uma prima que passou um tempo conosco. Não tínhamos muita intimidade antes, mas descobrimos o quanto somos parecidas no gênio e nos ideais. Tinha dia que mal nos falávamos, mas noutros, passávamos horas compartilhando nossas histórias e sonhos. Ela sempre tinha um chocolate pra me animar quando eu ficava dowm. Ela partiu da casa, mas estará sempre na minha alma. Uma garota doce, com toque de ardência. Ela é literalmente chocolate com pimenta!
O momento que mais me marcou foi quando eu tive, olha que interessante, “A garota de dez anos atrás” publicado numa coletânea. Foi uma vivência maravilhosa, que me proporcionou conhecer pessoas que se tornaram amigos especiais. E com a repercussão dessa participação, fui convidada a fazer uma apresentação com meus textos em um Chá Literário na escola técnica da minha cidade. Que momento! Ali eu vi o quanto eu tinha crescido como mulher. Dividi o palco com um professor da minha adolescência. Nunca vou esquecer o que ele disse quando foi se apresentar. Ficou surpreso de me ver falando e disse assim:
- Quem viu a Haliny a alguns anos atrás – uma menina tímida que nem falava.... Hoje está aí: essa mulher linda e sem vergonha.
Chega a ser engraçado. Ele é mesmo do tipo de pessoa que nos faz sorrir. Sempre teve carinho por seus alunos. Grande pessoa!
Foi isso: um ano cheio de surpresas que de mim fizeram brotar sorrisos. Foi um ano que fiz história, que escrevi histórias e as eternizei. Escrevi bastante. Um ipê amarelo foi inspirador, das suas flores eu extraí essências de vida. Foram crônicas, frases, poesias... sentimentos materializados em palavras. Foi principalmente a escrita que me trouxe os mais singelos sorrisos.
Acho que 2019 extraiu minha essência, fez com que eu florescesse as melhores flores, expusesse sorrisos mais verdadeiros. Aqueles que vêm de dentro, vêm da alma. Aqueles que se abrem para a vida entrar. Não é à toa que foi o ano que “TRINTEI”! Trinta anos num ano repleto de significados – encaixe perfeito; trinta anos na melhor versão de mim, mais amadurecida, mais gostosa, mais mulher.
Claro que nem todos os momentos foram floridos. Que ano turbulento também! Passei por mudanças o tempo todo. Mudanças essas que me levaram a aprender a criar no caos. Criar e sorrir. Contudo, não é fácil sorrir quando os sonhos se distanciam e a esperança parece esmaecer. Mas se sorrimos, foi porque houve vida, pois sorrisos não nascem de almas mortas.

                                                                                                                                                               Haliny

quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Razões para escrever




A minha frente a folha de papel em branco, ansiando que a caneta ao lado penetre suas linhas vazias. Cansada de viver branca e limpa, deseja que aquela caneta lhe marque, lambuze de tinta. Ela deseja conhecer uma história; aliás, ela deseja portar uma história, tornar-se interessante aos olhos de quem a vê. Branca, quem a observará? Mas escrita, marcada, rabiscada, desenhada, atrairá atenção.
Eu ali, olhando aquela folha em branco; a mente divagando... A folha: branca; minha alma: vazia. Não há palavras, não há escrita. E a folha lá continuou, completa de vazios...

Recordo-me daqueles dias em que eu chegava na escola para trabalhar, um tempo antes do horário da aula. Ao invés de ir para a sala de professores, eu preferia me refugiar na sala de aula vazia. Degustava o momento... a sala vazia, sem a costumeira agitação dos alunos, aquele silêncio criava um contraste; diferente do que seria minutos em seguida, naquele momento, o silêncio é que gritava. Eu aproveitava aquele momento de solidão. Lia, refletia, escrevia, pensava, chorava...
Mas houve um daqueles dias em que eu, sentada naquela sala olhando para o nada, vi algo além. Quem já teve a oportunidade de adentrar uma sala de aula, sabe que é normal ser um ambiente com uma decoração peculiar. As paredes cobertas de cartazes, desenhos, trabalhos dos alunos, recadinhos do professor, exposições de textos, temas; isso a faz ser dinâmica, viva. É muito legal porque a gente fica olhando aquelas atividades expostas, lendo os conteúdos, as mensagens e, com isso, podemos conhecer parte das histórias de vida dos alunos que por ali passam um período da vida.
Quantas vezes eu já tinha entrado naquela sala. Mas naquele dia eu vi: as paredes estavam brancas, vazias. Uma tristeza se deu em mim, aquela sala não tinha história, não tinha vida. Paredes brancas são mortas.
É interessante observar que a escola tinha passado por uma reforma. As paredes foram pintadas, portanto, não seria legal marcar as paredes recém pintadas. Ordem da direção, manter as paredes limpas para preservar. É compreensível, mas nem sempre limpeza demais é saudável.
Bom, isso nos faz pensar que a vida é como uma sala de paredes brancas. É normal que a sociedade, a família, a religião, etc., nos digam que devemos nos manter limpos. Mas até onde essa limpeza nos ensina a viver, mostrar o que somos? Somos alunos na escola da vida, gerenciamos nossa sala. Nossas paredes devem ser decoradas com nossas ações, fruto das nossas escolhas, onde expomos nossos erros e acertos e, por isso, vamos crescendo, evoluindo e amadurecendo. As sujeiras podem se tornar aprendizagens. E estas é que nos ajudam a preencher nossos vazios.
Por vezes não conseguimos compor a nossa história. Por vezes, silenciamos nossa vida. Mas devemos escrevê-la, sem medo de errar, pois errando, temos a oportunidade do concerto; concertando, fluímos mais de nós mesmos e, com isso, gerenciamos com maior segurança nossa humanidade.

De repente, me volto novamente àquela folha em branco. Desbloqueando a mente, pego a caneta. Ainda não tenho as palavras... o importante é escrever. Se sairão palavras harmoniosas, belas poesias, não há garantia; se terão coesão, não sei. E isso realmente não importa! Disformes, tímidas, sombrias, borradas, tristes ou sem sentido, necessário é colocá-las na folha em branco. Depois vamos arrumando, fazendo os ajustes. Mas permitir que saiam, que fluam, pois com erros e concertos, uma história vai se fazendo.
As razões para escrever? Para dar sentido a uma existência vazia, permitir que a vida produza histórias, seja vista, seja lida. Compor a própria história, dar cor à alma sombria – escrever para não ser uma página em branco, escrever para viver!

                                                                                                                                 Haliny

quinta-feira, 2 de maio de 2019

Nostalgia outonal


“Meu sol de verão...
Pena que assim como a estação,
Chegará o momento da separação...”

E o outono chegou.
Harmônico, frio.
Ainda vejo ao longe, reflexos daquele sol em meio a nuvens alaranjadas. E pensar que há um tempo, não muito distante, ele me aquecia de uma forma...
Mas agora o verão findou, levando junto aquele ardente sol.
Ah! Quanta falta sinto do seu aquecer em mim, do seu brilho, da sua alegria.
Você partiu meu sol de  verão, deixando anelante minha alma. Meu corpo estremecendo com o frio que usurpa o lugar das chamas.
Sua partida ofuscou o brilho das minhas manhãs.
Coibiu  a diversão das minhas tardes.
Encobriu o desnudar das minhas noites.
Silenciou nossos falares.
Ah! Aqueles falares em meus ouvidos me faziam arrepiar...
Até o canto dos pássaros soam distante diante da sua ausência.
Outono: uma despedida triste. Essência da nostalgia.
Lembranças do que foi belo, quente e florido.
Sopro de uma brisa fria desvanecendo o calor.
O outono bateu na janela do  coração, adentrou a pele, envolveu a alma.
Ele começou em mim; prévia de um novo inverno
Daqui a pouco, minhas folhas secarão e cairão. O vento pra longe as levarão, a chuva lentamente as desfarão.
O vento levará as folhas secas: aquelas lembranças construídas com nossa vivência.
Triste é saber que enquanto eu sou outono, você continua sendo sol de verão, aquecendo outro continente, alegrando outro coração, desnudando outra alma.
E eu só...
Aqui almejando que novamente venha me aquecer e me leve junto a você.


                                                                                                  Haliny

sábado, 13 de abril de 2019

A garota de dez anos atrás


Vejo no Facebook diversos amigos postando fotos de 2009 com uma de 2019, mostrando como eram e como estão agora. O intuito é fazer uma comparação, destacando principalmente as mudanças estéticas. Ok, achei a ideia bem legal; é divertido ver como algumas pessoas mudaram: o corpo, o cabelo, a vestimenta, o rosto...
Não tive vontade de entrar na brincadeira. Mas então me deparei com a seguinte frase:

“ A garota de dez anos atrás acharia a mulher que você se tornou uma pessoa incrível.”
                                                                                                            (Larissa Borges)

Daí, você, leitor dos meus escritos, já sabe, né? Mil coisas passaram pela minha mente. Por que não? Por que não entrar na brincadeira? Mas não simplesmente postando fotos que mostram se mudei ou não em dez anos fisicamente, apenas! Vou além; farei uma fotografia descritiva da alma. Sua alma continua com a mesma estética Haliny? Tem o mesmo peso? Usa as mesmas roupas? Calça os mesmos sapatos? No rosto o mesmo sorriso?
Deixe a timidez, de dez anos, longe de você e revele-se! Brinque também, da maneira que você gosta, mas mostre suas mudanças, seu crescimento, sua força. Seja inspiradora!
Haliny – a garota de dez anos atrás...

Era uma vez uma garota insegura, medrosa, reprimida, de poucas palavras, poucos amigos, cercada pela muralha da timidez, raro eram as pessoas que conseguiam acessá-la, tirar-lhe um tímido sorriso.
Mas ao mesmo tempo aquela garota, mesmo com muita dificuldade, correra atrás do que queria. Ela tinha grandes sonhos, intensos desejos, mas sempre era como se tentasse correr na água; várias coisas atravancavam seus passos, porém não desistiu.
Há dez anos aquela garota, mesmo timidamente, entrava para a faculdade. Que passo ousado para uma pessoa tão tímida! Um desafio! Difícil deixar a casa, aquele conforto seguro, porém perigoso, ter de enfrentar sozinha um mundo desconhecido e muito maior do que o que ela vivera até ali. Ela pensava que a vida mudaria; que faria amigos, tornaria mais independente, deixaria de ser uma simples adolescente.  Mas não fora assim. Logo ela viu que suas amarras mentais a acompanhavam, impedindo que delas se desvencilhasse. E continuou correndo em águas. Ela caminhava, mas não progredia. O pior era que ela sempre esperava que algo surpreendente acontecesse em sua vida, sempre esperava que esta lhe trouxesse os objetos dos seus sonhos; sempre esperava que alguém a tirasse daquelas águas e que a levasse a uma nova vida. Ela não conseguia enxergar que aquele milagre do novo, do surpreendente, habitava em sua mente. Ela não enxergava que somente ela mesma poderia tirar-se dali apenas mudando a direção dos passos, parar de andar só nas águas e olhar para a terra tão próxima e caminhar em direção a ela. Aquelas  coisas que atravancavam seus passos estavam em sua própria mente. Precisava mudar o olhar, mesmo que não fosse fácil, livrar-se daquilo que sempre acreditou. Olhar outras direções, criar novas possibilidades e caminhar para onde desejasse. Na sua mente, estava o poder da mudança mas ela não enxergava!
Os anos foram se passando e, a cada ano, aquela garota continuava esperando e esperando que a  mudança chegasse. Mas essa não chegava e, ela que não sabia que nem chegaria se ela continuasse esperando sem buscar, ainda conseguia dar seus passos, que não lhe bastavam. Ela queria caminhar por novos lugares, ver outras paisagens.
Apesar disso, ela se via cada vez mais infeliz, retraída, desanimada. Viu sua juventude passar sem desfrutá-la de fato. Passou por pessoas que se tornaram amigas, mas estavam adiantadas, não  ficaram. Via-se cada vez mais sozinha e viu que já estava começando a perder as forças por caminhar demais naquelas águas obscuras. O pior poderia chegar a qualquer momento: afogar-se em seu próprio oceano; permitir que as velharias da sua própria mente, matassem seus sonhos, tirassem a vida. Se é que podia chamar de própria vida a vida que levava, já que ela só esperava sem agir.
Um dia, no chão do seu quarto, caiu. Ali, naquele canto solitário do desânimo, e chorou!
Ela chorou...
Suas lágrimas misturaram-se com as águas. Tempestade naquele oceano. Aquela garota não sabia mais quem era, em quem se tornara. “Quem é você, Haliny? Onde estão os seus sonhos, seus objetivos? Onde estão os amigos? Onde está sua casa? Onde está sua alma?” Ela indagou-se. Ali, naquele chão duro e frio, viu-se completamente só. Mas foi ali naquele chão, sentindo-se um nada, humilhada, que a garota finalmente enxergou que tinha de sair daquelas águas que lhe atravancavam o caminhar. Foi o afogamento que lhe trouxe a consciência da importância do respirar, do qual precisava desesperadamente. Oxigenar a alma para não perecer.
O primeiro passo é muito dolorido, mas libertador. Não seria fácil quebrar o costume, mesmo que já estivesse desgastado pelo tempo. Mas foi. Aproveitou o pouco ar que dispunha, a fraca força que ainda nela habitava e se levantou daquele chão, saiu daquele mar para caminhar na terra. Mas ainda estava muito fraca quando chegou à terra. Não sabia para onde ir. Na água conhecia aquele mundo. Mas... e agora? “E agora José?” O que faria? Para onde iria? Sozinha.
Antes precisaria recuperar as forças e deitou naquela areia. Aquele repouso era necessário. Não, era vital! Se ela saísse caminhando do jeito que estava, poderia perder a direção, sucumbir; suas pernas estavam fracas. Antes teria que descobrir o desejo, (re)descobrir, descobrir – tirar os lençóis que pusera sobre os sonhos para não vê-los. E aí sim, quando estivesse recuperada, alimentada, com a mente clareada, poderia seguir segura, mais forte e destemida. Isso não seria fácil. O repouso não foi fácil, ela era ansiosa, queria que tudo acontecesse já! Mas a mudança, o novo caminhar, não viria assim. Ela teria de viver o repouso para redescobrir-se. Tinha que recuperar-se das dores que o velho caminhar impôs em seu corpo que cortava suas entranhas. Precisava alongar os membros atrofiados.
Bem. Para se recuperar, o lugar do repouso foi um divã. Toda a desordem  estava em sua mente. Esta precisava se rever no repouso da psicologia. O repouso foi difícil no início, mas essencial. Na terapia viu tanta, tanta coisa. Descobriu coisas horríveis, mas também coisas incríveis. Teria que fazer um retorno para ver de onde saíra e para onde iria...

Após o término da faculdade, aquela garota voltara para casa. Sentia-se triste, pois não veria mais os amigos nem teria para onde ir. Era hora de conseguir um emprego, mas este não veio. Que frustração! Presa naquele mundo sem poder nada fazer. Sonhava em conhecer um cara especial, mas este não surgia. Tinha vontade de viajar, passear, sair para jantar, mas ninguém a levava. E assim foi por anos, com desejos reprimidos.  Certo ano veio um emprego. Bom! Poderia ver novas coisas, conhecer novas pessoas, quem sabe fazer amigos?
Só que o que mudou foi uma situação e não sua mente. Continuava correndo na água. Ela não conseguia se relacionar com as pessoas, fazer conexões. Com o tempo, sentiu-se mais frustrada e isolada. Vieram as crises. Descobriu que aonde quer que ela fosse, continuando a carregar aquelas amarras mentais, não haveria transformação. Não seria simplesmente a mudança das situações, seria além. Não era fora, era dentro. Era ela que teria de mudar. Só ela. E só, ela teria que enfrentar a ela mesma. Só não sabia que seria tão doloroso, que seria como arrancar a própria pele, escorrer sangue, que teria que desnudar-se.
E assim, mesmo com muita vergonha, desnudou-se, tirou as velhas roupas e olhou para dentro de si. E foi, lenta e timidamente que suas amarras começaram a se desfazer. Ela se assustou tanto! Descobertas incríveis. Aos poucos se recuperava naquele hospital da alma. Logo poderia se levantar para dar uns primeiros passos, visualizar uma rota. Descobriu que tinha sido forte por andar tanto tempo presa e que precisaria de muita força para suportar a dor da sua metamorfose.
Mas valeu a pena! Valeu o esforço. Vale a dor. Hoje em 2019, aquela garota se reconstrói, torna-se mulher. Claro que ela sabe que essa construção não terá um fim, pois ela aprendeu que viver é isso: uma eterna reconstrução, ter a capacidade de se refazer após cada queda. Isso é crescimento, evolução, amadurecimento. Ficar estagnado na vida pode ser letal. A vida é uma constante mudança, constante movimento; precisa de ação. Quando paramos adoecemos, literalmente. Ficamos cheios de neuroses.
Ela adquiriu uma força incrível para conseguir o que quer. Já não espera mais um grande milagre chegar, pois ela é o milagre; corre atrás, luta. E mesmo que não consiga, sente-se feliz porque agora ela encontrou sua capacidade de tentar. Hoje, tudo é resultado de suas próprias ações. Hoje, ela vai sozinha; já não mais depende que alguém a leve. Se tiver companhia, ótimo; se não, não há problema: ela é sua melhor companhia. Sai para jantar, comer uma pizza, ir ao cinema. Ela ama estar só com ela mesma, pois assim pode ouvir melhor a voz da sua alma. Mas isto não a impede de conhecer novas pessoas. Ao contrário. Ela busca e conecta-se a novas amizades. Aliás, ela está mais seletiva; não aceita qualquer amizade não! Cansou de amizades abusivas. Hoje, ela sorri com ousadia, anda de cabeça erguida, é determinada, vê-se incrível; não tem medo de mostrar-se. Deixou de usar aquelas velhas roupas sem cor nem alegria para vestir-se com  as novas e coloridas roupas adquiridas.  

Bem! Esta não é uma história clichê. Não tem o final feliz como nos contos de fadas. Aliás, esta história não tem fim. Ainda bem! Ainda há muita luta e mudança a ser feita. E isso não depende de uma fada; depende somente dela, e ela, não quer fim; quer vírgulas, continuidade.
Ah! Você pode estar se perguntando: “E o príncipe?” Ela não quer um príncipe encantado. Príncipes encantados são efêmeros, fantasias. Ela quer um homem, humano, com belezas e defeitos. Um homem real.
Uau! Quanta transformação! Foram muitos sofrimentos neste processo, mas essenciais.

A garota de dez anos atrás não sabia que dentro dela habitava uma mulher incrível, que só precisava nascer. A mulher de 2019 descobriu que a garota de dez anos atrás era como uma planta, cuja beleza estava escondida sob folhas secas,  que só precisava ser podada e regada para florescer o melhor de si.

Na garota de dez anos atrás havia uma mulher forte, linda e invencível que apenas dormia. Mas os intensos e clamantes sonhos a fizeram acordar para vivê-los a cada dia!    


                                                                                                      Haliny

  
  


quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Caminhando na chuva






 Novamente choram as nuvens lá fora. Observo pela janela do meu quarto. Não choram tempestade; derramam um gelado e fino chuvisco, mas que transborda melancolia. Não esperava vir um dia tão frio em meio a dias quentes de verão.
Novamente chora a alma aqui dentro. De volta ao canto solitário do desânimo. Não lágrimas tempestuosas; é um frio e silencioso choro, mas que transborda palavras. Ela não esperava a volta de geladas nuvens ao estar sendo aquecida por um quente sol de verão.

O que as nuvens dizem?
Elas dizem que o sol aquecera demais a terra, que agora necessita refrescar. Elas vieram refrescar a terra para que esta não pereça nem fique sequiosa por tanto calor. Ela precisa ser regada. Ao receber as finas gotas a terra põe fim ao que seja excesso e se renova. Logo, estará pronta para novamente ser tocada pelo sol. Mas agora sua necessidade é o descanso, as sombras e as suaves águas das nuvens, já que aquele sol fora intenso demais.

O que a alma diz?
Ela diz que aquele sol a aquecera tanto, que ela chegou a pensar que ele ficaria até o fim da estação. Mas não foi assim. Aquele intenso sol de verão se fora levando consigo tudo o que prometera. Mas por mais que a alma não as queira, ela necessita de nuvens em meio ao verão; necessita de lágrimas que a refresquem, que ponham fim ao que for excesso e a renove para um novo sol.
A vida é assim. Dias chuvosos e gelados fazem parte, mas é difícil passar por eles sorrindo. Dias de lágrimas. Dias que doem.

O que fazer agora? Como superar essa chuva?
Já sei. Lembro que quando criança, eu desejava brincar, tomar um banho de chuva; só que existia uma barreira que me impedia chamada mãe. Vou voltar à velha infância: vou...
...caminhar na chuva!
 Carpe Diem! Vou colher o que o dia me oferece. Mas o que será que posso colher na chuva?

Caminhar na chuva. Não importa se a estrada é a mesma, você sempre verá algo novo. Não tenha medo –mesmo  que sua mãe diga que você está maluca. Não tema ser acometido por uma gripe – depois você toma um remédio. Não se importe de sujar o seu tênis – depois a água limpa. Só não perca essa chance de vida!
Foi o que fiz. Deixei pra trás os receios, calcei o tênis e parti. E daí?
Sentir na pele o toque daquela chuva fria, indescritível sensação! A água que regava a terra adentrava meu corpo refrigerando a alma. Vi tanta coisa.
Ver a chuva cair. Os pássaros não deixaram de voar nem cantar. Vi uma terra colorida ainda que encoberta por cinzentas nuvens. Vi que há muita, muita vida em meio à chuva, basta sabermos enxergar. Imagina todo o leito de um rio coberto por um tapete de resplandecentes brancos lírios; lírios são flores de vale. Olho para o céu – apenas  nuvens? Não! vi um solitário helicóptero passeando dentre elas (piloto corajoso!).  Toquei as folhas molhadas. Elas ficam retraídas, mas sorriem para mim. Não há sorriso tão verdadeiro. Vi flores de múltiplas cores. Tive de colhê-las.
Bom mesmo é voltar a ser criança e fazer imagina o quê? Pisar nas poças que se formam na estrada. Incrível. Por mim passaram alguns carros. Imagino o que aquelas pessoas pensaram ao var alguém caminhando na chuva e colhendo flores. Pensaram  que eu deveria ser maluca, ou talvez sentiram inveja e pensaram: “Como eu gostaria de deixar esse carro e também caminhar na chuva.”
Liberdade é isso mesmo: cometer algumas loucuras. Mas louco mesmo é quem não vive, quem não se dá oportunidades, que fica preso dentro da sua casa, preso dentro do seu carro, preso dentro dos seus medos de se molhar, de se sujar, de adoecer, de viver. Nós adoecemos se não vivermos, se não fizermos. Quanta coisa linda eu teria privado meus olhos de  verem e minha alma de sentir se tivesse ficado no conforto do meu quarto.
Ah alma minha! Caminhe nesta chuva. Se molhe, se suje, adoeça para sarar esta dor. Permita que as águas te renovem; colha as flores que ela alimenta e enfeite-se delas; não se prenda a este canto solitário, se envolva, aproveite para saltar em meio às poças formadas por suas lágrimas, pois logo, elas secarão. Desprenda-se do que já não está mais presente e abra seus olhos para o  novo. Colha o que a chuva te oferece.
Valeu a pena caminhar na chuva. As  flores que durante a caminhada colhi agora colorem e alegram o meu quarto do conforto.
É caminhando na chuva que a alma encontrará flores para colher e trazer um pouco de alegria ao canto solitário do desânimo.
Carpe Diem!    

                                                                  Haliny

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

A um indisciplinador de almas


“A minha vida indisciplinadora de almas.”
                                  (Fernando Pessoa)

Ao ler esta frase, logo me veio à cabeça você. A pessoa que indisciplina minha alma.
Encontrei em Cortella um pensamento que cabe aqui. Ele diz que “ existe uma indisciplina saudável, aquela que nos tira das trilhas de um conforto perigoso, que nos faz pensar de outro modo, que nos leva a sonhar.” E eu completo dizendo: sonhar e realizar. Realizar aquilo que nos torna o que realmente somos; o que somos na alma.
Bem! Muitas vezes em nossa vida somos levados a absorver certa disciplina. Disciplina esta que nos é imposta, que dita regras, nos acorrenta, que diz o que é certo e o que é errado, o que devemos fazer, o caminho que devemos seguir, como devemos proceder. Quer que sejamos certinhos, impecáveis como ela deseja. Mas essa disciplina nos infelicita já que pode nos colocar numa rota indesejável. Uma rota de angústias, solidão.
A disciplina nos faz viver o que seria regular, ideal, normal, ainda que não necessariamente nos agrade. Mas quando ela se torna uma sofrida obrigação, nos levando a fazer o que não desejamos, nos vemos mergulhados num mar de dor. O que se torna ainda pior ao afirmar que aquilo que é o desejo da nossa alma é errado, pecado; e o lugar onde ela almeja ir é inapropriado. Caos!
No mar da dor começamos a nos afogar, precisando urgentemente de um salva-vidas, antes que pereçamos.
É aí que você surge. Você é o salva-vidas da minha alma, estendendo-lhe a mão, colocando-a em seu barco, ajudando-a a enxergar uma nova rota, a rota do desejo e não mais a rota  da pesada disciplina.
Você faz a alma a começar assumir suas próprias vontades, a ser sujeito e não objeto; a viver uma ‘indisciplina saudável’, tirando-a “das trilhas de um conforto perigoso”, a brindar a vida com o vinho da liberdade.
Você indisciplina minha alma para que ela possa realmente viver.
Você é uma “insuportável” vida indisciplinadora de almas. E minha alma aprende que é a indisciplina que a dá vida.
Quem sabe um dia eu também venha poder indisciplinar algumas almas...
                                                         

                                                         Haliny